quinta-feira, 20 de março de 2014

O que vem a ser a Tipicidade Conglobante?



Estimados companheiros de estudo do Direito Penal,


A tipicidade conglobante é tema recorrente nas provas de concursos públicos e exames da OAB. Lembro-me bem dos tempos de estudo em Belo Horizonte-MG onde tive o privilégio de ter aulas com o professor Dr. Rogério Greco e ser acompanhado na monitoria pela Dra. Ula Senra. Encontrei entre meus arquivos pessoais um artigo da Dra. Ula Senra sobre a tipicidade conglobante. Bom, segue ele abaixo. Bons estudos!





Tipicidade Conglobante
Ula Senra - 31.05.2004





O direito é um universo harmônico de normas que guardam, entre si, uma certa ordem e coerência. Caso contrário, haveria a guerra civil - uma guerra de todos contra todos -, e é exatamente isso que a ordem jurídica pretende e deve impedir.

É com base nesse entendimento que Eugenio Raúl Zaffaroni constrói a teoria da tipicidade conglobante.

A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, uma vez que pretende excluir do âmbito da tipicidade certas condutas que, pela doutrina tradicional, são tratadas como excludentes da ilicitude.

No caso de condutas em que a ordem normativa ordena ou fomenta, segundo Zaffaroni, não se fala em exclusão da ilicitude, mas de ausência de tipicidade conglobante. Por uma questão lógica, o tipo não pode proibir o que o direito ordena ou fomenta.

Dessa forma, nos casos de estrito cumprimento do dever legal que, tradicionalmente, excluem a ilicitude da conduta, estar-se-ia diante de atipicidade conglobante. Caso contrário, teríamos que considerar que o oficial de justiça que seqüestra uma coisa móvel comete furto justificado, que o médico que cumpre com o dever de denunciar uma doença contagiosa comete uma violação de segredo profissional justificada ou o policial que detém um sujeito por prisão em flagrante comete uma privação ilegal de liberdade justificada.

Nos casos de intervenção cirúrgica com fins terapêuticos, a conduta do médico é atípíca, por serem fomentadas pelo direito. Por intervenções com fim terapêutico devem ser entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, a prevenção de um dano maior ou a atenuação da dor. Certas intervenções cirúrgicas, como no caso mutilação, o médico é obrigado a pedir a autorização do paciente. Entretanto, sua falta acarreta apenas a responsabilidade administrativa, podendo-se atribuir a responsabilidade penal se configurar algum delito contra a liberdade individual. Porém, nunca pode ser responsabilizado por lesões corporais, porque o fim terapêutico exclui essas intervenções do âmbito de proibição do tipo de lesões.

Já nas intervenções cirúrgicas sem fins terapêuticos o tratamento é diverso. Essas ocorrem nos casos de cirurgia plástica ou extração de órgãos ou tecidos para serem transplantados em outra pessoa (o fim terapêutico diz respeito ao outro, mas não ao doador). Nesse caso, a conduta do médico é típica, mas justificada diante do consentimento e da adequação às normas regulamentares. Caso não haja consentimento do paciente, configura-se a conduta típica de lesões corporais dolosas.

Em relação às lesões desportivas, Zaffaroni considera que são conglobalmente atípicas, sempre que a conduta tenha ocorrido dentro da prática regulamentar do esporte, perdendo a atipicidade conglobante e adquirindo tipicidade penal no caso de violação dos regulamentos.

Data venia, "ouso" discordar do tratamento dado às lesões desportivas por Zaffaroni. Não me parece, ao contrário do que ele afirma, que a ordem jurídica ordene ou fomente esportes como o boxe, por exemplo. Entendo que tais esportes são tolerados pela ordem jurídica e devem, portanto, ser tratados como usualmente o fazem a doutrina e jurisprudência.

Em suma, as atividades em que a ordem jurídica ordena ou fomenta são resolvidas no âmbito da atipicidade conglobante. Já as condutas permitidas ou simplesmente toleradas são causas de exclusão da ilicitude. Nos casos de atividades perigosas, por exemplo, devem ser distinguidas as atividades fomentadas e as permitidas. A circulação de veículos automotores, que é fomentada pela ordem normativa e regulamentada, não pode ser considerada da mesma forma que outras atividades, como a instalação de uma fábrica de explosivos, que o direito apenas permite.

Por fim, a tipicidade penal é a conjugação da tipicidade legal e da tipicidade conglobante.

A tipicidade legal é a subsunção (adequação) da conduta ao tipo penal previsto em lei.

A tipicidade conglobante é a antinormatividade aliada à tipicidade material.

A tipicidade material significa que não basta que a conduta do agente se amolde ao tipo legal. É preciso que lesione ou coloque em risco bens jurídicos penalmente relevantes.

Aliás, é sempre importante lembrar que uma das funções precípuas do direito penal é a proteção de bens jurídicos tutelados pela norma criminal.

Em termos jurisprudenciais, ainda é tímido o reconhecimento da tipicidade conglobante. Como se pode observar nos acórdãos citados, somente se reconhece a atipicidade conglobante nos casos de falta de tipicidade material, mais precisamente em face do Princípio da Insignificância.
Source:


REsp 457679 / RS; 2002/0091098-7

Relator : Min. Felix Fischer

Penal. Recurso Especial. Apropriação Indébita de Contribuição Previdenciária. Princípio da Insignificância. Prescrição Retroativa.

I - O princípio da insignificância como causa de atipicidade conglobante, afetando a tipicidade penal, diz com o ínfimo, o  manifestamente irrelevante em sede de ofensa ao bem jurídico protegido. O referencial deve ser calcado em norma que não seja meramente administrativa - ou ainda, interna corporis - e provisória.
II - Julgada procedente a ação penal, é de se reconhecer a extinção da punibilidade quando decorrido o prazo prescricional entre a data do julgamento do recurso e o recebimento da exordial, visto que, na instância comum, as decisões foram absolutórias.
Recurso provido e julgada extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa.

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